La mauvaise

Eu virei la mauvaise por obra do destino, quando o mundo me explicou que a vida não olhava pra mim de brincadeira. Quando as pessoas que sempre achei suavemente desagradáveis confirmaram suas posições e minhas expectativas intuitivas. Quando algumas máscaras caíram. Quando tomei abuso dos relacionamentos perfeitos e ideais e quando percebi que o tempo não diz nada sobre o caráter das pessoas. Quando realizei¹ o quanto somos manipulados e manipuladores e notei que a ciência e até a arte são submetidas aos ideais dos que põem a mão no bolso por elas. Quando vi que da raiva e da revolta nascem a dignidade e o orgulho e que a vingança é uma bênção que o Deus Cristão não oferece. Quando entendi que a sombra é tão necessária quanto a luz e que há um poder latente que nasce de cada escuridão. Quando resolvi deixar de ser hipócrita e admitir que pertenço à condição humana, tão conflitante. Quando passei a levar a vida com bom humor e encarar os fatos com praticidade. Quando me olhei no espelho e vi que as rugas e roupas não fazem o homem. Quando valorizei os instintos que nos aproximam dos animais assim como a intuição que nos aproxima dos deuses. Quando entendi que no fundo do poço há uma opção de impulso; que o sofrimento ensina mais do que a inércia; que é preciso vivenciar a raiva e a angústia para se livrar de ambas. Quando me propus a combater a intolerância débil do machismo e dos demais tipos de preconceitos. Quando aceitei que a lágrima, o sorriso e o grito tinham igual importância e que, para crescer, é preciso parar de fingir.

Sou la mauvaise quando é preciso colocar pimenta nos meus próprios olhos, quando sofro por reconhecer meus próprios vícios, quando admito que a justa revanche me satisfaz. Quando digo verdades pessoais com a suavidade do gracejo e quando prevejo comportamentos que o fingimento não permite.

Virei la mauvaise porque, durante anos, fui boazinha demais. Eu precisava de equilíbrio. E fui para o lado negro da Força.

_______________
La mauvaise (em francês "a má") é um alter ego inicialmente utilizado num fotolog que criei para protestar contra absurdos pessoais e que foi, posteriormente, adaptado e aplicado à minha própria realidade. Hoje, é a minha escuridão.
¹ verbo adaptado do inglês realize: conceber, constatar, compreender.
Post inspirado pelo texto O lado Negro da força.