Crônica cabeluda

Ah, cabelos grandes.
Melhor não tê-los.
Mas, se não os temos,
Como cabelos?

Quem tem cabelo grande sabe o trabalho que dá, a luta que requer – física e psicológica. Depois de já ter usado até cortes masculinos, resolvi deixar as madeixas se desenrolarem até a bunda. Elas ainda estão no caminho, mas os problemas já apareceram. E, claro, como eu adoro falar do que é fútil, resolvi dividir com vocês a minha experiência.

Primeiro que, para lavar a cabeleira toda, só umas duas rodadas de xampu. E bastante xampu (aquela história toda da quantidade igual a uma moeda de um real na mão é uma farsa!) para chegar a fazer uma espuma decente. Depois, a saga de pentear. Se você nunca puxou uns ferros na vida, melhor ir com calma ou “aparar as pontas”. Um cabelo grande na hora de pentear é quase uma virgem: requer tempo, carinho, paciência e um bom uso do instrumento (no caso, um pên...te!)

É sabido também que cabelos grandes, geralmente, precisam ser hidratados. Como são grandes (duh!) a oleosidade natural do fio não ‘tem tempo’ suficiente para chegar até as pontas entre uma lavagem e outra. Assim, é bastante provável que a pessoa de cabelo grande tenha um cabelo grande e ressecado. Aqui entram os cremes de hidratação domésticos que depois que você usa, fica aquela sensação incrível de... que nada mudou. Claro, quando você investe meio cento de real num salão de beleza o resultado é bem mais perceptível. Acontece que eu sou meio teimosa e demoro pra me convencer de abrir mão daquele livro, daquele sapato curioso, daquela ida ao motel ou daquelas duas refeições deliciosas do Spoleto, Tererê ou Feijão Maravilha para pagar tudo isso para o meu cabelo. É só um cabelo, no final das contas.

Mas, além disso, o cabelo grande tem um papel social. Melhor dizendo, uma interpretação social, um estereótipo, uma marca. Para os homens, ter cabelo grande indica rebeldia, fuga dos padrões sociais, subversão, identificação com determinado tipo de música ou momento histórico e, para uns poucos mais conservadores, pode ainda indicar homossexualismo.

Para as mulheres o fardo é mais leve, afinal, muitos homens ainda admiram as longas madeixas, têm fetiche ou tesão – e não vamos ser hipócritas de dizer que não importa o que eles pensam, porque o patriarcado ainda nos permeia sussurrando todos os dias que os homens ainda ditam todas as regras sociais.

No entanto, é complicado manter o cabelo comprido quando muitas vezes ele é associado exclusivamente à juventude ou quando se vê que garotas descoladas usam cabelo curto enquanto crentes submissas são as que preservam a flora da cabeça intacta (e algumas vezes do corpo também). Apresentadoras de TV têm o cabelo curto. Jornalistas têm o cabelo curto. Feministas têm o cabelo curto. Minha mãe tem o cabelo curto.

Curiosamente as mulheres que engravidam cortam as madeixas durante a gestação. Algumas, quando se casam. Mulheres também cortam o cabelo quando querem dar uma guinada na vida, quando terminam relacionamentos difíceis ou quando passam por uma grande dificuldade. Cabelos são cortados sempre que fases são vivenciadas, como um rito de passagem. E até mesmo no mundo corporativo, cabelos grandes demais são inadequados. É preferível ficar no velho meio-termo: aquele tamanho esquisito que teima em indicar que a mulher não teve coragem de cortar quanto queria e não tem peito ou paciência de deixar crescer.

Ou você acha que é fácil convencer seu cabeleireiro que não vai rolar aquela aparada básica das pontas nas quais ele sempre leva quatro dedos da sua beleza dizendo que ‘tava precisando’?

Finalmente, o cabelo grande também atrapalha no cotidiano. Eu, pelo menos, sou escrava das piranhas (isso soou meio BDSM, não?) e canetas e, na falta delas, prendo o cabelo nele mesmo. É dureza manter um cabelo desse tamanho no calor desse Nordeste. Além disso, convencê-lo de que ele precisa resistir ao cloro, ao sal e ao sol, sem dar um pio. Quem tiver um cabelo obediente assim, me venda.

Cabelos grandes engancham na barba dos homens – é raro dar os dois beijinhos sem puxar um fio – e até nas unhas dos animais de estimação. Perdem o volume quando crescem, além de passar por fases esquisitas no processo. Eles também assanham com uma freqüência dolorosa e, quando presos em rabo-de-cavalo, podem fazer você parecer “professorinha” ou a Xuxa do novo século. Cabelos grandes demais também podem conferir, finalmente, ar de hippie e as pessoas saírem por aí deduzindo há quantos dias você não toma banho.

As dificuldades são físicas, sociais, cotidianas. As pessoas que resolvem ter madeixas compridas não podem ceder. É quase uma luta de classe, uma revolução capilar, a falência dos salões de beleza, a paz mundial. Cabeludos, uni-vos. Até que a tesoura nos separe!

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Imagem: pela primeira vez, uma foto pessoal, porque não adianta dizer que é cabeluda sem provar. Em tempo, o tamanho está evidenciado pela escovada segura do dia anterior. Sem traumas.