Tem mulher que tem alergia à homem.

Muita gente sabe que boa parte dos meus genes são feministas. Eu penso que as mulheres devem ganhar tão bem quanto os homens, devem poder desenvolver sua sexualidade em paz, decidir se querem ou não ter filhos, enfim, serem reconhecidas como seres humanos diferentes em gênero dos homens, porém feitos da mesma matéria (e não de uma mera costela) e igualmente importantes. Mas esse é um assunto muito delicado, com o perdão do trocadilho, que merece ser abordado em outra ocasião.

Indo além, portanto. Nem toda feminista, como pensam os machões de plantão, são homossexuais insatisfeitas, recalcadas ou mal-amadas. Tampouco toda feminista acha que homem e mulher são a mesma coisa no que diz respeito às questões comportamentais. E é por isso que eu, mesmo feminista e heterossexual, digo: tem muita mulher por aí que tem alergia a homem. Homem de verdade.

Alergia a homem é um comportamento da mulher hetero que idealiza o homem perfeito como um anúncio de revista (desses do tipo padrão, já que os publicitários andam reiventando tudo): sem cheiro, sem textura, sem humores, sem graça.

Para uma melhor compreensão, vamos tentar caminhar e exemplificar no inverso. Um homem que tem alergia à mulher odeia menstruação, TPM, sutiã, esmalte e cabelo liso. Foge da subjetividade das coisas, passa despercebido diante dos detalhes do mundo, nunca pensou que deus poderia ser fêmea, não discute a relação nem opina na maquiagem. Deu pra entender mais ou menos? Um homem com alergia à mulher é aquele que sente asco a algumas características e qualidades inerentes às fêmeas. Ou o pior tipo: aquele acha que não há mulher no mundo diferente dessas concepções e é incapaz de conviver com alguém que não possua o padrão de delicadeza, educação e sutileza que nos fora imposto pelo nosso aclamado e falocêntrico sistema.

Já uma mulher que tem alergia a homem é aquela incapaz de ter uma visão objetiva das coisas, que acha qualquer pêlo um nojo, qualquer pênis assustador; que acredita que o príncipe no cavalo branco nunca vai poder voltar suado da academia e ainda assim ser a mesma pessoa. Uma mulher que tem alergia a homem não consegue dar abertura ao parceiro para amá-la como pessoa, apenas como princesa (ou “rainha do lar” – o que é ainda pior!). Uma mulher que tem alergia a homem é incapaz de ir beber com as amigas ou com os próprios compadres do marido. Desconhece a liberdade de um palavrão ou de socar a parede de vez em quando. Or even worse: também acham que não há homem sobre este planeta capaz de manifestar alguma atitude diferente das descritas acima.

São mulheres que ora vêem os homens como marionetes, ora como coordenadores – nunca como pares, cúmplices, amigos. Ora se iludem com suas promessas falidas, ora se confirmam no jargão de que “nenhum homem presta”. Ora sexo para agradá-los, ora falta dele para atraí-los. E no jogo da hipocrisia dentro da sociedade do comportamento medíocre, os dois lados saem perdendo e sequer o sentem.

Precisamos entender que somos seres cheios de fluidos e pensamentos. Com quilinhos a mais e um turbilhão de padrões de comportamento conflitantes. Com dentes amarelados de fumar, com a barba por fazer, a perna por depilar. Com uma alma que repete as perguntas existenciais e com alguns pés atrás diante dos dilemas sociais.

Eu nunca gostei de gente fresca. Talvez por ter conhecido mais mulheres que homens assim, eu tenha me tornado até um pouco tendenciosa e isso talvez tenha se refletido aqui. Mas embora eu também tenha minhas frescuras, não busco o ideal da perfeição. Sonho com o dia em que todos possam lidar com seus demônios, convidá-los para sentar na mesa de jantar, como diria Angelina, e que possam se aceitar e se amar mesmo com os hormônios alterados ou arrotando alto. Que cada vício seja conhecido e aceito, pois este é o primeiro passo para transformá-lo numa virtude.

E que, nesse mundo imperfeito ideal, nasçam menos homens e mulheres cheios de alergias.