Prostipura: um retrato das mulheres julgadas pela sua sexualidade

Sejam todos bem vindos à sociedade das virgens e das putas!

Desmanchem essas caras de espanto. No fundo, vocês também sabem que vivemos em um sistema onde as mulheres são julgadas pela sua conduta sexual. Essa semana pude “sentir na pele essa emoção” e me inspirei para escrever sobre o que eu já deveria ter escrito há algum tempo.

A maioria dos homens vê as mulheres dessa forma. Encaixa-se aqui a primeira divisão entre as “mulheres para usar” e “mulheres para casar”. Neste paradigma, os relacionamentos são como perfumes vendidos nas lojas: há o provador, aquele que “passa pelas mãos de todos”, que você experimenta para saber se gosta; e há o lacrado, guardado lá no estoque, disponível apenas para quem comprar. Para a maioria dos homens, as mulheres são assim: objetos a serem experimentados, usados, comercializados, traficados, descartados. As mulheres ora são comidas (as vagabundas), ora acessórios (as esposas). As mães e as irmãs são as puras, as demais são as putas. E, para eles, não há mais outra classificação plausível para esse sexo tão limitado.

Além disso, há sempre um macho de plantão para “ensinar como se faz” a qualquer virgem. Há sempre um macho de plantão para fincar o pé e não aceitar ser rejeitado por qualquer puta. Há sempre machos e machos querendo moldar as mulheres ao seu próprio padrão. E, acima deles, há um sistema social disposto a encaixar as mulheres em seus próprios padrões.

Também a maioria das mulheres vê as mulheres dessa forma. Sofrem com a “divisão” dos homens, mas a adotam para si mesmas. Enchem a boca para dizer que são decentes (ou seja, poucos parceiros sexuais) e que as demais são putas. “O infeno são os outros”.

E ainda há aquelas a discursar que é preciso “se dar valor” (noção capitalista de que todas as coisas são consumíveis) e serem “difíceis de conquistar”. Ou seja, mulheres que orientam sua sexualidade com base no que pensa o outro: o superpoderoso e imprescindível homem.

Ainda uma grande parte das mulheres pensa, inclusive, que é função biológica e natural das mulheres a síndrome da “mulher maravilha” atual: trabalha fora (nem virgem, nem puta – logo, masculinizada), tem filhos (mãe – pura), cuida da casa (função de servir – puta) e ainda está uber sedutora (prostituta de luxo) para o maridão quando esse chega em casa do trabalho – esta, por outro lado, a única função do “super homem”.

Mas, como se não bastasse, o patriarcado vê as mulheres dessa forma. A sociedade vê as mulheres dessa forma.

Mulheres inteligentes, pensadoras, são “mal-comidas”, isto é, transgressoras do padrão predominante. Nem são virgens (ou semi-virgens), nem putas – não devem ser, portanto, mulheres.

Para a nossa sociedade, não interessa se você estuda, trabalha, paga suas contas... se você transa com seu namorado, é puta. Mas se você sai com um cara, ele paga pela sua companhia (pagando a conta do restaurante, por exemplo), mas “segura a piriquita” até o casamento só para ele não te achar fácil, é pura.

Em termos de arquétipos cristãos, ou você é Maria, a mãe imaculada que engravidou sem fazer sexo, grande geradora (?) da noção estúpida da mãe-pura; ou você é Eva, a infeliz que ofereceu a maçã para Adão pecar. Tadinho de Adão! Só poderia ter sido ludibriado por esse ser demoníaco chamado mulher! Lilith (outro “demônio”), que outrora se recusou às vontades dele, mal é mencionada na história.

Ainda vê-se que, quando a mulher perde ou minimiza seu lado sexual, como na velhice, ou vira uma “coroa enxuta” (isto é, ainda possui características sexualmente atraentes), ou sai de cena, tornando-se a “santa mãezinha” assexuada, quase divina (Maria).

Observa-se também essa teoria na mídia: atores mais velhos ainda são considerados galãs e fazem pares românticos com moças jovens, enquanto o contrário é raro. Porque velhas são mulheres que não podem mais ser virgens ou putas. Assim, não têm mais nada a oferecer para a sociedade sexualizada.

E antes que me taxem de pouco democrática, não quero dizer que não existem homens virgens, ou homens “putos”, mas os arquétipos sociais masculinos são bem mais variados. Há homens fortes ou fracos, inteligentes ou pouco sábios, ricos ou lisos, bonitos ou feios, criativos ou tradicionais... A sociedade vê toda ou boa parte da potencialidade masculina. Ademais, o homem pode escolher se irá se casar, se terá ou não filhos – para a mulher, esse tipo de decisão implica a chance de ser considerada “pouco feminina”, “egoísta” ou “antinatural”. Pois cabe a ela decidir, somente, se será pura ou puta.

Observem os julgamentos. A mãe solteira é julgada porque “abriu as pernas” e engravidou. A lésbica é julgada por “não ter conhecido um homem que fizesse direito”. A gorda é julgada porque, para a mídia, não se encaixa no padrão de beleza que deixa os homens excitados. A executiva não está estressada com o trabalho, mas porque não tem mais tempo para o sexo. A feminista é uma mal-comida morrendo de inveja das modelos de cerveja. A boa esposa deve ser uma dama na rua e uma prostituta na cama. As crentes são recatadas, as atéias e bruxas são promíscuas, já que não têm medo do chicote do capeta (!).

Para completar, os homens riem das mulheres inexperientes, e abusam das mulheres “fáceis”. Porque as mulheres são como objetos nos quais se valoriza a quilometragem (quem nunca ouviu falar na expressão “mulher rodada”?) e a capacidade de satisfazer o “consumidor” quando ele bem entende. Respectivamente, a relevância de ser virgem (ou semi-virgem) e a capacidade de ser puta.

Homens e mulheres, vítimas do patriarcado, repetem esses padrões diariamente e influenciam as próximas gerações com essa noção maniqueísta das relações de gênero. As crianças são estimuladas a verem as mães como santas (arquétipo Maria). Meninas adolescentes aprendem a rotular umas as outras de “galinhas” ou “vulgares”. Meninos adolescentes já repetem a distinção que há “meninas para namorar” e “meninas para ficar” (e, muitas vezes, que a existência de uma namorada não exclui a das ficantes). Como serão esses adultos e que tipo de orientação darão aos seus próprios filhos?

As pessoas já têm umas as outras numa relação de posse doentia. E o que a nossa sociedade incentiva é que essa relação seja ainda hierarquizada, nos termos dos homens sobre as mulheres. Não faço idéia de como solucionar isso diretamente, mas quiçá combater essas noções simplistas no nosso cotidiano possa nos dá alguma esperança.

Fica a dica.

PS: Discuta esse tema aqui também.

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi Chris
Estou lhe devendo esta visita. Acho que meu dia teria que ter 48horas e mesmo assim faltaria tempo para tudo que agendo no dia a dia. Perdoe-me. Agradeço as suas visitas e comentários no meu blog. Estive lendo alguns artigos seus e confesso que este me chamou atenção por estar tratando dos mais variados tipos de comportamento em relação a este item: "sexualidade" - e os condicionamentos estipulados pelo próprio homem, como marcas em produção de qualquer coisa que se crie. Acho que você define muito bem conceitos e preconceitos estabelecidos, baseados em visões distorcidas da vida. Ao que me parece, o homem cria normas, leis, acreditando ser o melhor, porém de acordo com seus parcos conhecimentos, acabando por se escravizar ou condenar o próximo diante disto. Os padrões comportamentais instituídos pelo homem, na certa são equívocos em que se coloca, onde o principal refém é ele próprio. A rotulação da espécie em atitude, ainda se configura espiritualmente, analisando, (e é claro sem fundamentalismos religiosos ou dogmas fabricados pelo ser) como estar ainda engatinhando para se chegar ao esclarecimento, "como primitivo". Nós não podemos nos condicionar e nos expressar devidamente, de acordo com a real verdade, por não conhecê-la. Estamos, acredito, ensaiando para entender o que ainda não conseguimos ver. Sinto que o mundo e suas energias naturais (sem condições de perceber ou sentir intensamente), e as divagações do homem em achar que tudo que faz é coerente, levará muito tempo para que uma ponta deste véu se levante e possa mostrar o que não temos preparo para compreender. Muitas vezes é preciso experimentar idéias, atitudes pouco relevantes para se chegar à verdade dos fatos. São causas que levam a efeitos sofríveis e vão ensinando o ser a se redirecionar dentro da vida, aprendendo a ver limites, tanto em relação a si, como aos outros. O conhecimento, a experiência e o tempo são os responsáveis pela conseqüência das coisas e nos dá a certeza de continuarmos, pois estamos sendo lapidados até adquirir o brilho da sabedoria. Nós apenas continuamos e evoluímos, senão que sentido teria em estarmos aqui? O seu questionar é por si só o princípio da sabedoria.
Parabéns!
Abraços,
Suzeti.

Mayara Limeira disse...

O problema de tudo é que as vezes muitos esquecem o quem são e preferem entrar num sistema terrível e sujo, e o pior de tudo sem nem questionar, e aí é onde o perigo se instala, vira alienação. Problemas relacionado a sexualidade, exploração feminina são gravissimos, mas além deste sistema sujo tem um movimento inicial das mulheres para a porta de entrada! Não podemos aceitar qualquer tipo de preconceito, e deixar que outros (principalmente os homens) nos rotule a qualquer hora apenas porque é mais "bonitinho" e "certo" na cabeça podre de muitos e das malditas regras empurradas para a sociedade.

parabéns pelo texto Chris, sempre muito importante. Acredito que textos assim fazem idéias pesadas serem modificadas...o primeiro passo já foi feito, o resto vai um dia chegar, quem sabe?!

beijos
May